Gostei muito das palavras de Patrícia Melo, colunista do site PNTEliteratura , já publicou várias obras literárias... Leia mais no site PNTE... e APRECIE seu artigo, aqui:
15/03/2011 - Patrícia Melo
Sempre digo nas minhas conferências que o hábito da leitura não é automático. Não basta que alguém pegue um bom livro, e depois outro, para que surja um novo leitor. Fosse fácil assim, nós, escritores, editores, tradutores e intelectuais que vivemos no mundo das letras, seríamos definitivamente felizes, nadando num mar de bonança.
Tenho uma teoria que este aprendizado começa na tenra infância, quando a criança está aprendendo o difícil exercício da instrospecção, para sozinha, fantasiar e recriar o mundo.
Lembro que, alguns anos atrás, o artista plástico brasileiro Luís Hermano, passou um fim de semana em nossa casa de campo, no Brasil, e contou-me parte de sua história. Luís é de origem humilde e vivia com sua família numa cidadezinha onde não havia energia elétrica. Suas brincadeiras e brinquedos eram os que inventava solitariamente. Ele só foi conhecer a televisão aos oito ou dez anos de idade, quando sua avó o levou para Salvador, e então, pela primeira vez, ele assistiu ao Chacrinha, um programa de auditório de grande sucesso, que passava aos domingos. Luís Hermano disse que, ao voltar para sua cidade, durante algum tempo, uma das suas brincadeiras preferidas passou a ser a de, deitado na rede, construir dentro da sua cabeça o seu próprio programa de televisão, onde ele era o apresentador, os convidados e a platéia. Ao ouvir sua história, pensei que este seu exercício solipsista e cotidiano, durante grande parte da sua infância, deu-lhe duas importantes ferramentas: a capacidade de introspecção, e a capacidade de transcendência. Foram elas, sem dúvida, de grande utilidade na formação do grande artista que é.
Um leitor - qualquer leitor - também precisa delas para poder apreciar a leitura. Num mundo histérico, cheio de convites e demandas, que vão das maravilhas internáuticas ao show da última sensação pop, é difícil conseguir que um jovem se sente no canto da sua casa, com tranquilidade para abrir um livro e se deixar transportar para outro mundo.
Neal Gabler, escritor e jornalista do New York Times, escreveu em seu livro “Vida, o filme” que o cinema é a transcendência fácil. Basta que você entre no cinema, que as luzes se apaguem, para que você seja transportado para outro tempo, envolvendo-se com emoção verdadeira num mundo inteiramente de fantasia.
Eu digo que a literatura é a transcedência difícil. Até que você abra um livro e se delicie com esta real transcendência, há um longo caminho a percorrer.
E todos nós, pais, educadores, escritores, editores, tradutores, podemos ter uma participação importante neste processo.
No que diz respeito às escolas, penso que hoje em dia, quando elas ainda apóiam as técnicas do ensino básico e médio em filosofias construtivistas, falta aos alunos a noção de que aprendizado não é só prazer. Lembro que quando minha filha, que sempre estudou numa escola vanguardista do Rio de Janeiro, saiu do ensino médio, ela se sentia “iludida”, como se a escola, com suas técnicas lúdicas, não lhe tivesse dito que o mundo real não seria assim tão divertido. De certa forma, ela tinha razão. Na universidade, nem sempre é prazeroso estudar, mesmo que se faça aquilo que se gosta. Mas ainda assim, a satisfação não está totalmente descartada do processo de aprendizado. Há situações do conhecimento em que só começamos a nos “divertir” já na ponta final da empreitada. Ler um texto árido, hermético, como o de Husserl, é uma “pedreira”. Mas como é bom quando você consegue entender seu conceito de fenômeno, de vivência, ver como ele incorpora a idéia de forma para criar a noção de forma lógica e como ele refundamenta a epistemologia da lógica.
Este aprendizado também é algo que diz respeito à formação do leitor. Há leituras (de autores anacrônicos ou herméticos) que, ainda que cheias de desafios são uma experiência valiosa na formação do nosso saber, e vem daí o prazer dessa leitura. Vem do que ela nos rende, não do processo.
Nós pais, temos a nossa responsabilidade, se quisermos dar aos nossos filhos os imensos benefícios e recursos que um bom leitor possui. Antes de mais nada, temos que ser modelos, mostrar o quanto a leitura é importante nas nossas vidas. É necessário também impor limites no que diz respeito ao acesso à televisão, videogames e internet. Se quisermos que os nossos filhos tenham momentos de introspecção, devemos motivá-los a brincarsozinhos primeiro com seus brinquedos, e depois, lendo livros. Podemos ler com eles, levá-los a bibliotecas, dar-lhes acesso aos livros, ensiná-los e permití-los a se jogar num canto da casa acompanhados de um bom livro.
E nós escritores e editores podemos estar disponíveis e participar de debates e leituras que motivem a formação desses novos leitores.
As crianças, os jovens, principalmente os adolescentes - fase onde na minha opinião surge o verdadeiro leitor - são como esponjas. Mesmo com sua prepotência biológica, sua sensação de imortalidade, mesmo que nos achem velhos e imprestáveis, no momento em que formam seu próprio ego, somos seus modelos e suas referências para o amanhã.
Fazem piadas, debocham, fingem que não nos ouvem. Mas estão ali, disponíveis, curiosos, aprendendo e absorvendo nossas idéias, opiniões e tudo o que temos a oferecer. Se de cada grupo com o qual você fala, incentiva, ensina, debate, sair apenas um leitor, já será ótimo. É bem provável que não consigamos sequer isso. Mas não vale a pena tentar?
Patrícia Melo
imagem do site educaçãoadventista.org.br |
15/03/2011 - Patrícia Melo
Sempre digo nas minhas conferências que o hábito da leitura não é automático. Não basta que alguém pegue um bom livro, e depois outro, para que surja um novo leitor. Fosse fácil assim, nós, escritores, editores, tradutores e intelectuais que vivemos no mundo das letras, seríamos definitivamente felizes, nadando num mar de bonança.
Tenho uma teoria que este aprendizado começa na tenra infância, quando a criança está aprendendo o difícil exercício da instrospecção, para sozinha, fantasiar e recriar o mundo.
Lembro que, alguns anos atrás, o artista plástico brasileiro Luís Hermano, passou um fim de semana em nossa casa de campo, no Brasil, e contou-me parte de sua história. Luís é de origem humilde e vivia com sua família numa cidadezinha onde não havia energia elétrica. Suas brincadeiras e brinquedos eram os que inventava solitariamente. Ele só foi conhecer a televisão aos oito ou dez anos de idade, quando sua avó o levou para Salvador, e então, pela primeira vez, ele assistiu ao Chacrinha, um programa de auditório de grande sucesso, que passava aos domingos. Luís Hermano disse que, ao voltar para sua cidade, durante algum tempo, uma das suas brincadeiras preferidas passou a ser a de, deitado na rede, construir dentro da sua cabeça o seu próprio programa de televisão, onde ele era o apresentador, os convidados e a platéia. Ao ouvir sua história, pensei que este seu exercício solipsista e cotidiano, durante grande parte da sua infância, deu-lhe duas importantes ferramentas: a capacidade de introspecção, e a capacidade de transcendência. Foram elas, sem dúvida, de grande utilidade na formação do grande artista que é.
Um leitor - qualquer leitor - também precisa delas para poder apreciar a leitura. Num mundo histérico, cheio de convites e demandas, que vão das maravilhas internáuticas ao show da última sensação pop, é difícil conseguir que um jovem se sente no canto da sua casa, com tranquilidade para abrir um livro e se deixar transportar para outro mundo.
Neal Gabler, escritor e jornalista do New York Times, escreveu em seu livro “Vida, o filme” que o cinema é a transcendência fácil. Basta que você entre no cinema, que as luzes se apaguem, para que você seja transportado para outro tempo, envolvendo-se com emoção verdadeira num mundo inteiramente de fantasia.
Eu digo que a literatura é a transcedência difícil. Até que você abra um livro e se delicie com esta real transcendência, há um longo caminho a percorrer.
E todos nós, pais, educadores, escritores, editores, tradutores, podemos ter uma participação importante neste processo.
No que diz respeito às escolas, penso que hoje em dia, quando elas ainda apóiam as técnicas do ensino básico e médio em filosofias construtivistas, falta aos alunos a noção de que aprendizado não é só prazer. Lembro que quando minha filha, que sempre estudou numa escola vanguardista do Rio de Janeiro, saiu do ensino médio, ela se sentia “iludida”, como se a escola, com suas técnicas lúdicas, não lhe tivesse dito que o mundo real não seria assim tão divertido. De certa forma, ela tinha razão. Na universidade, nem sempre é prazeroso estudar, mesmo que se faça aquilo que se gosta. Mas ainda assim, a satisfação não está totalmente descartada do processo de aprendizado. Há situações do conhecimento em que só começamos a nos “divertir” já na ponta final da empreitada. Ler um texto árido, hermético, como o de Husserl, é uma “pedreira”. Mas como é bom quando você consegue entender seu conceito de fenômeno, de vivência, ver como ele incorpora a idéia de forma para criar a noção de forma lógica e como ele refundamenta a epistemologia da lógica.
Este aprendizado também é algo que diz respeito à formação do leitor. Há leituras (de autores anacrônicos ou herméticos) que, ainda que cheias de desafios são uma experiência valiosa na formação do nosso saber, e vem daí o prazer dessa leitura. Vem do que ela nos rende, não do processo.
Nós pais, temos a nossa responsabilidade, se quisermos dar aos nossos filhos os imensos benefícios e recursos que um bom leitor possui. Antes de mais nada, temos que ser modelos, mostrar o quanto a leitura é importante nas nossas vidas. É necessário também impor limites no que diz respeito ao acesso à televisão, videogames e internet. Se quisermos que os nossos filhos tenham momentos de introspecção, devemos motivá-los a brincarsozinhos primeiro com seus brinquedos, e depois, lendo livros. Podemos ler com eles, levá-los a bibliotecas, dar-lhes acesso aos livros, ensiná-los e permití-los a se jogar num canto da casa acompanhados de um bom livro.
E nós escritores e editores podemos estar disponíveis e participar de debates e leituras que motivem a formação desses novos leitores.
As crianças, os jovens, principalmente os adolescentes - fase onde na minha opinião surge o verdadeiro leitor - são como esponjas. Mesmo com sua prepotência biológica, sua sensação de imortalidade, mesmo que nos achem velhos e imprestáveis, no momento em que formam seu próprio ego, somos seus modelos e suas referências para o amanhã.
Fazem piadas, debocham, fingem que não nos ouvem. Mas estão ali, disponíveis, curiosos, aprendendo e absorvendo nossas idéias, opiniões e tudo o que temos a oferecer. Se de cada grupo com o qual você fala, incentiva, ensina, debate, sair apenas um leitor, já será ótimo. É bem provável que não consigamos sequer isso. Mas não vale a pena tentar?
Patrícia Melo
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