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A família era enorme e comia reunida, em
volta da toalha bordada: pai, mãe, avó, avô, filhos, netos, sobrinhos,
afilhados, a comadre que ficou viúva, a solteirona que era irmã da avó
da Mariquinha... e o bisavô Arquimedes. O bisavô Arquimedes usava
dentadura. Naturalmente, cada integrante tinha à sua frente o seu
saboroso prato de tutu, couve, torresmo, feijão-tropeiro, carninha de
porco, lingüiça, etc. e tal. E todos mastigavam e repetiam porque a
fartura, ali, em Montes Claros,
naquele tempo, era um espanto, de tanta! E cada um, evidentemente,
tinha o seu copo. Pois os copos e o bisavô Arquimedes, diariamente,
sofriam a seguinte brincadeira: — Toninho, ocê vai beber desse copo aí,
na sua frente? Olha que o bisavô deixou a dentadura dele de molho, bem
no seu copo, Toninho, na noite passada! — Num foi no meu, não: foi no
copo da Maroca! O bisavô deixou a dentadura dentro do copo da
Maroquinha! — Ó gente, num brinca assim que eu fico cum nojo, uai! O
velho bisavô Arquimedes ouvia, sorria, mostrando a dentadura. Quando
chegava o doce de leite, o queijinho, a goiabada e uma tal de sobremesa
que tem o nome de "mineiro-de-botas", que tem queijo derretido, banana,
canela, cravo, sei lá mais que gostosuras, o pessoal comia, comia. E
depois de comer tanto doce, a sede vinha forte, e a chateação começava,
ou recomeçava, ou não terminava: ___Tia Santinha, não beba do copo da
dentadura do bisavô, cuidado! Tenho certeza de que a dentadura ficou no
seu copo, de molho, a noite inteira! O bisavô ouvia e ia mastigando, o
olhinho malicioso, nem te ligo para a brincadeira, comendo a
goiabadinha, o "mineiro-de-botas", o doce de leite, o queijinho... e
mexendo a dentadura pra lá e pra cá, pois a gengiva era velha a
dentadura já estava sem apoio. Mas o bisavô tinha senso de humor... e
falava pouco. O pessoal cochichava que ele era mais surdo do que uma
porta. Bestagem, porque se existe coisa que não é surda, é porta: mesmo
fechada, deixa passar cada coisa... Um dia, de repente, o bisavô
apareceu sem a dentadura. E como todos perguntaram para ele o que tinha
havido, o velho Arquimedes sorriu, um sorriso banguela, dizendo:
— Ocês tavam perturbando demais, todos
com nojo dela, resolvi não usar, uai! Aí, a família ficou sem jeito,
jurando que não iria falar mais da dentadura, que tudo fora brincadeira,
que todos adoravam o velho Arquimedes, que ele desculpasse. — Tá
desculpado, num tem importância. Eu já tava me aborrecendo com a
história, mas tão desculpados. Mas até que tô achando bom ficar
banguela: vou comer tutu e sopa... e doce de leite mole, ora! A família
insistiu, pediu perdão, mas o bisavô botou fim à conversa, dizendo: —
Ocês num insistam. Resolvi e tá resolvido. O dia que eu deixar de
resolver, boto a dentadura outra vez!
E passaram-se vários dias. Ninguém mais fazia a brincadeira do copo. De
vez em quando, o bisavô lembrava: — Tô sentindo falta... — Da dentadura, bisavô? — Não, da traquinagem de ocês... ninguém tá com nojo de beber água do copo, né? — Ora, o senhor não deve levar a mal, foi molecagem, a gente não faz mais, pode usar a dentadura, bisavô. Um dia, de repente, o bisavô voltou a usar a dentadura. Todos na mesa se cutucaram e começaram a rir, muito disfarçado, quando bebiam água, pensando... sem dizer, pois haviam prometido. Depois da sobremesa, boca pedindo água depois de tanto doce caseiro, o velho Arquimedes disse: — Ocês tão bebendo tanta água, sem nojo... — Bisavô, era brincadeira! — Eu também fiz uma brincadeira: durante todo esse tempo que fiquei banguela, minha dentadura ficou de molho, dentro do filtro."
vez em quando, o bisavô lembrava: — Tô sentindo falta... — Da dentadura, bisavô? — Não, da traquinagem de ocês... ninguém tá com nojo de beber água do copo, né? — Ora, o senhor não deve levar a mal, foi molecagem, a gente não faz mais, pode usar a dentadura, bisavô. Um dia, de repente, o bisavô voltou a usar a dentadura. Todos na mesa se cutucaram e começaram a rir, muito disfarçado, quando bebiam água, pensando... sem dizer, pois haviam prometido. Depois da sobremesa, boca pedindo água depois de tanto doce caseiro, o velho Arquimedes disse: — Ocês tão bebendo tanta água, sem nojo... — Bisavô, era brincadeira! — Eu também fiz uma brincadeira: durante todo esse tempo que fiquei banguela, minha dentadura ficou de molho, dentro do filtro."
MUITO BONS!! VOCÊS SE SUPERARAM!! Parabéns!!